segunda-feira, 29 de março de 2010
Teatro brasileiro foge da tradição
ANÁLISE
LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010
O teatro brasileiro está estranho. Como o teatro no mundo todo, reflete os impasses de uma época em que a dramaturgia já não é a mesma, mas resiste o impulso humano de criar narrativas cênicas. A considerar por uma amostragem do Festival de Curitiba, englobando tanto espetáculos da Mostra Oficial como do Fringe, percebe-se algumas recorrências que permitem agrupar em zonas comuns a diversidade exibida.
Como tendência dominante, estão os espetáculos construídos em processo colaborativo.
Entre esses, há aqueles em que o encenador assume a dramaturgia, como é o caso de "Vida", de Márcio Abreu, talvez o grande destaque do Festival, "Escuro", de Leonardo Moreira, e "Ruído Branco da Palavra Noite", da dupla Caetano Gotardo e Marina Trajan.
Há também alguns em que o encenador escreve a cena a partir de material anterior, mas ainda conta com a colaboração dos atores e atrizes, como nos casos de "Formas Breves", de Bia Lessa, com texto de Maria Borba, e "De como Me Tornei Bruta Flor", de Cibele Forjaz a partir de poema de Cláudia Schapira.
Outra vertente de colaborativo é aquela em que um texto dramático é reprocessado na encenação, como mostram os impactantes "Memória da Cana" de Newton Moreno, cruzando "Álbum de Família" de Nelson Rodrigues e "Casa Grande e Senzala" de Gilberto Freyre, ou "Travesties", de Caetano Vilela, relendo a peça de Tom Stoppard na chave da Ópera Seca.
Num outro grupo, que confirma de perspectiva distinta a mesma tendência, agrupam-se peças montadas a partir de dramaturgias fortes e autônomas, mas que encerram em si a dissolução da estrutura dramática tradicional. Incluem-se aí "In on It", de Daniel Macivor, encenado por Enrique Diaz, "Psicose 4h48", de Sarah Kane na leitura de Marcos Damaceno, ou "Como se Fosse o Mundo", texto do novíssimo Paulo Zwolinski apresentado em vertente radical por Roberto Alvim.
Ainda há dramas propriamente, mas mesmo esses transpiram os ares do espírito do tempo, quando mais que histórias acabadas com personagens bem definidos, o teatro oferece atos performativos que sobressaem às tramas. É o caso de "Música para Ninar Dinossauros", de Bortolotto, "Navio Ancorado no Espaço", evocação de Paulo José da poeta Ana Cristina César, partindo de texto de Maria Helena Kühner e dramaturgia de Walter Daguerre, "A Idade da Ameixa", de Aristides Vargas, dirigido por Guilherme Leme, e do bizarro "grand-guinol" de Paulo Biscaia, "Manson Superstar".
Na tradição do teatro épico, que desde meados do século passado lida com as alternativas de narrar o mundo para além do drama, destacam-se "Till", de Luiz Alberto de Abreu, com o grupo Galpão, "Macbeth", de Shakespeare, na versão de Aderbal Freire Filho, ou a adaptação de Edson Bueno das crônicas e da biografia de Nelson Rodrigues em "A Vida como Ela É".
As pulsões antidramáticas, e que chamam o público a se deter na matéria cênica bruta, poderiam ser apontadas mesmo em trabalhos irregulares, como os experimentais curitibanos "Chiclete e Som", de Nina Rosa Sá, e "Primeiro Crime", de Darlei Fernandes, ou os mineiros "Barba Azul" e "John e Joe", dos grupos Andante e Trama.
De algum modo, percebe-se em toda essa produção, ao lado da vontade de continuar contando histórias, a dificuldade de fazê-lo com as formas convencionais. É dessa tensão que advém a estranheza detectada.
LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010
O teatro brasileiro está estranho. Como o teatro no mundo todo, reflete os impasses de uma época em que a dramaturgia já não é a mesma, mas resiste o impulso humano de criar narrativas cênicas. A considerar por uma amostragem do Festival de Curitiba, englobando tanto espetáculos da Mostra Oficial como do Fringe, percebe-se algumas recorrências que permitem agrupar em zonas comuns a diversidade exibida.
Como tendência dominante, estão os espetáculos construídos em processo colaborativo.
Entre esses, há aqueles em que o encenador assume a dramaturgia, como é o caso de "Vida", de Márcio Abreu, talvez o grande destaque do Festival, "Escuro", de Leonardo Moreira, e "Ruído Branco da Palavra Noite", da dupla Caetano Gotardo e Marina Trajan.
Há também alguns em que o encenador escreve a cena a partir de material anterior, mas ainda conta com a colaboração dos atores e atrizes, como nos casos de "Formas Breves", de Bia Lessa, com texto de Maria Borba, e "De como Me Tornei Bruta Flor", de Cibele Forjaz a partir de poema de Cláudia Schapira.
Outra vertente de colaborativo é aquela em que um texto dramático é reprocessado na encenação, como mostram os impactantes "Memória da Cana" de Newton Moreno, cruzando "Álbum de Família" de Nelson Rodrigues e "Casa Grande e Senzala" de Gilberto Freyre, ou "Travesties", de Caetano Vilela, relendo a peça de Tom Stoppard na chave da Ópera Seca.
Num outro grupo, que confirma de perspectiva distinta a mesma tendência, agrupam-se peças montadas a partir de dramaturgias fortes e autônomas, mas que encerram em si a dissolução da estrutura dramática tradicional. Incluem-se aí "In on It", de Daniel Macivor, encenado por Enrique Diaz, "Psicose 4h48", de Sarah Kane na leitura de Marcos Damaceno, ou "Como se Fosse o Mundo", texto do novíssimo Paulo Zwolinski apresentado em vertente radical por Roberto Alvim.
Ainda há dramas propriamente, mas mesmo esses transpiram os ares do espírito do tempo, quando mais que histórias acabadas com personagens bem definidos, o teatro oferece atos performativos que sobressaem às tramas. É o caso de "Música para Ninar Dinossauros", de Bortolotto, "Navio Ancorado no Espaço", evocação de Paulo José da poeta Ana Cristina César, partindo de texto de Maria Helena Kühner e dramaturgia de Walter Daguerre, "A Idade da Ameixa", de Aristides Vargas, dirigido por Guilherme Leme, e do bizarro "grand-guinol" de Paulo Biscaia, "Manson Superstar".
Na tradição do teatro épico, que desde meados do século passado lida com as alternativas de narrar o mundo para além do drama, destacam-se "Till", de Luiz Alberto de Abreu, com o grupo Galpão, "Macbeth", de Shakespeare, na versão de Aderbal Freire Filho, ou a adaptação de Edson Bueno das crônicas e da biografia de Nelson Rodrigues em "A Vida como Ela É".
As pulsões antidramáticas, e que chamam o público a se deter na matéria cênica bruta, poderiam ser apontadas mesmo em trabalhos irregulares, como os experimentais curitibanos "Chiclete e Som", de Nina Rosa Sá, e "Primeiro Crime", de Darlei Fernandes, ou os mineiros "Barba Azul" e "John e Joe", dos grupos Andante e Trama.
De algum modo, percebe-se em toda essa produção, ao lado da vontade de continuar contando histórias, a dificuldade de fazê-lo com as formas convencionais. É dessa tensão que advém a estranheza detectada.
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