quinta-feira, 25 de março de 2010
ILUSTRADA - FOLHA DE SÃO PAULO
Espetáculo confirma qualidade de grupo teatral de Curitiba
Companhia Brasileira de Teatro, uma das principais do país, apresenta peça inspirada no poeta Paulo Leminski
LUIZ FERNANDO RAMOS 23/03/2010
O teatro como a perplexidade humana diante do céu estrelado. Esta é uma das potencialidades que "Vida", da Companhia Brasileira de Teatro, atualiza em sua visita ao universo do poeta paranaense Paulo Leminski. Fruto de um longo processo de criação, o espetáculo confirma o coletivo de Curitiba como um dos principais grupos brasileiros, em sintonia com as questões mais instigantes do teatro contemporâneo.
É sintomático que o autor do texto final e da encenação, Márcio Abreu, conceda a duas atrizes, Giovana Soar e Nadja Naira, a parceria na dramaturgia. Todo o material dramatúrgico emergiu a partir das questões que as duas, e os dois outros atores, Gonzales e Rodrigo Ferrarini, propuseram.
Nesse sentido é natural que eles se tratem em cena pelos seus nomes reais e em nenhum momento se caracterizem propriamente como personagens de uma trama. Seus desempenhos envolvem fabulação, mas é interna, sempre como emanação de seus próprios contornos. Não interpretam outros e estão presentes, jogando com a situação e com o público.
Sem cair na tentação de evocar a biografia ou adaptar qualquer texto de Leminski, Márcio Abreu construiu sua sintaxe cênica a partir da entrega dos colaboradores e do aproveitamento de alguns vagos sinais da constelação do poeta, como as traduções de Haroldo de Campos de poemas de Khlebnikov e Maiakovski e o título de um de seus livros, "Distraídos Venceremos", que se torna um vero epíteto do espetáculo.
O espaço cênico proposto, "uma sala vazia e sem janelas", ainda que jogue com um subtexto explícito - "quatro pessoas exiladas numa cidade qualquer (...) nos ensaios de uma banda que deverá se apresentar no jubileu da cidade"- remete o tempo todo à situação que ocorre diante do público.
De fato, a verdadeira troca que ocorre na peça é quase sempre entre os atores e a plateia. Suas falas são tentativas de contato -"estão comigo?"- que apresentam suas disposições e idiossincrasias em separado. Seus diálogos são truncados e não progridem. Agem por si e se expõem até as entranhas, mas o máximo de interação que conseguem é executar um número musical bem tosco com grande dificuldade.
O cenário, formado por três paredes e pontuado só por um mapa-múndi, algumas cadeiras, uma mesa e instrumentos musicais, também participa da instabilidade e do isolamento.
A parede do fundo é móvel e ora recua, ampliando o espaço de atuação, ora se fecha confinando os atores à ribalta. Essas variações demarcam mais as intensidades do que as situações dramáticas, já que não está acontecendo propriamente nada que se possa identificar como uma ficção. Tudo o que ocorre é evocativo, sugestão de clima, talvez poesia.
Nessa ambientação mais sensorial que meditativa, a trilha de André Abujamra executada por Gustavo Proença tem um papel decisivo na busca da cumplicidade dos espectadores e chega a arrebatá-los. Contudo, o que garante mesmo essa adesão e em alguns momentos maravilha, como uma noite de estrelas, é o conjunto da obra.
O crítico LUIZ FERNANDO RAMOS viaja a convite da organização do Festival de Curitiba.
Avaliação: ótimo
Companhia Brasileira de Teatro, uma das principais do país, apresenta peça inspirada no poeta Paulo Leminski
LUIZ FERNANDO RAMOS 23/03/2010
O teatro como a perplexidade humana diante do céu estrelado. Esta é uma das potencialidades que "Vida", da Companhia Brasileira de Teatro, atualiza em sua visita ao universo do poeta paranaense Paulo Leminski. Fruto de um longo processo de criação, o espetáculo confirma o coletivo de Curitiba como um dos principais grupos brasileiros, em sintonia com as questões mais instigantes do teatro contemporâneo.
É sintomático que o autor do texto final e da encenação, Márcio Abreu, conceda a duas atrizes, Giovana Soar e Nadja Naira, a parceria na dramaturgia. Todo o material dramatúrgico emergiu a partir das questões que as duas, e os dois outros atores, Gonzales e Rodrigo Ferrarini, propuseram.
Nesse sentido é natural que eles se tratem em cena pelos seus nomes reais e em nenhum momento se caracterizem propriamente como personagens de uma trama. Seus desempenhos envolvem fabulação, mas é interna, sempre como emanação de seus próprios contornos. Não interpretam outros e estão presentes, jogando com a situação e com o público.
Sem cair na tentação de evocar a biografia ou adaptar qualquer texto de Leminski, Márcio Abreu construiu sua sintaxe cênica a partir da entrega dos colaboradores e do aproveitamento de alguns vagos sinais da constelação do poeta, como as traduções de Haroldo de Campos de poemas de Khlebnikov e Maiakovski e o título de um de seus livros, "Distraídos Venceremos", que se torna um vero epíteto do espetáculo.
O espaço cênico proposto, "uma sala vazia e sem janelas", ainda que jogue com um subtexto explícito - "quatro pessoas exiladas numa cidade qualquer (...) nos ensaios de uma banda que deverá se apresentar no jubileu da cidade"- remete o tempo todo à situação que ocorre diante do público.
De fato, a verdadeira troca que ocorre na peça é quase sempre entre os atores e a plateia. Suas falas são tentativas de contato -"estão comigo?"- que apresentam suas disposições e idiossincrasias em separado. Seus diálogos são truncados e não progridem. Agem por si e se expõem até as entranhas, mas o máximo de interação que conseguem é executar um número musical bem tosco com grande dificuldade.
O cenário, formado por três paredes e pontuado só por um mapa-múndi, algumas cadeiras, uma mesa e instrumentos musicais, também participa da instabilidade e do isolamento.
A parede do fundo é móvel e ora recua, ampliando o espaço de atuação, ora se fecha confinando os atores à ribalta. Essas variações demarcam mais as intensidades do que as situações dramáticas, já que não está acontecendo propriamente nada que se possa identificar como uma ficção. Tudo o que ocorre é evocativo, sugestão de clima, talvez poesia.
Nessa ambientação mais sensorial que meditativa, a trilha de André Abujamra executada por Gustavo Proença tem um papel decisivo na busca da cumplicidade dos espectadores e chega a arrebatá-los. Contudo, o que garante mesmo essa adesão e em alguns momentos maravilha, como uma noite de estrelas, é o conjunto da obra.
O crítico LUIZ FERNANDO RAMOS viaja a convite da organização do Festival de Curitiba.
Avaliação: ótimo
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