quinta-feira, 25 de março de 2010
O Estadao de S.Paulo
Quatro peças quebram os ''Cânones Dramáticos''
Beth Néspoli
24 de março de 2010
O Festival de Curitiba chega à 19ª edição com 374 espetáculos na mostra paralela, o Fringe, e outros 27 na principal. Mesmo com cancelamentos, são quase 400 montagens na programação de 12 dias que termina no domingo. Evidentemente é possível acompanhar uma parte bem reduzida do Fringe e mesmo da mostra principal, uma vez que, nesta última, todas as peças ocupam o mesmo horário, 21h, ou seja, só se pode ver um a cada noite.
Ainda assim pode-se detectar a presença de uma tendência muito presente nos palcos - que não é exatamente nova, mas renovada - do rompimento do drama ficcional fechado. Como drama, em linhas gerais, entende-se aquela criação que se dá a partir de conflitos interpessoais, expressos em diálogos, por meio de personagens colocados em primeiro plano na cena, com os intérpretes servindo de instrumentos a lhes dar vida, contar suas histórias. Diante da capacidade do cinema e de outras artes de criar um mundo fictício, o teatro busca sua especificidade: tirar proveito de ser um encontro, ao vivo, em tempo real, entre espectadores e atores.
Há experiências mais ou menos bem-sucedidas, abre-se espaço para modismos sem consistência, para a provocação formal descolada do humano, sem potência para atrair a atenção concentrada de público para além dos pares. Nessa linha de busca, a montagem curitibana Vida, da Cia. Brasileira de Teatro dirigida por Marcio Abreu, está entre as mais mobilizadoras entre as conferidas na programação. A dramaturgia foi criada em sala de ensaio a partir da poesia de Paulo Leminski, matéria-prima à qual juntaram-se outras fontes, de Haroldo de Campos a Beckett, de Joyce a John Fante. Sem amalgamá-las numa fábula, os atores se apropriam desse material poético de alta sofisticação e a ele mesclam indagações aparentemente prosaicas sobre o estar no mundo. "Quem brilha? O que brilha?" Pergunta o ator Rodrigo Ferrarini na primeira cena. Imediatamente estimulam o espectador a fazer associações que giram em torno de fama, destaque, "lugar ao sol". Expectativa quebrada pelo texto que remete ao vagalume ou a um sapato de verniz. Essa passagem, do poético ao concreto, perpassa todo o espetáculo cujo mote é a reunião de quatro integrantes de uma banda para um ensaio musical. Os atores se chamam pelo nome, atuam como performers, mas não escondem a elaboração artística num falso tom de improviso.
Em Dona Otília e Outras Histórias, o diretor Gilberto Gawrownki busca quebrar a forma dramática dos textos escolhidos, peças curtas da gaúcha Vera Karam, com performances intercaladas entre as cenas, que tanto podem girar em torno do processo de criação do espetáculo, como em confissões dos atores. A fragilidade dessas intervenções faz sobressair o "dramático" sobretudo pela qualidade de atuação da atriz Guida Viana. Esse mesmo desejo, de romper a cena ficcional fechada, está no monólogo Olympia, da mineira Angela Moura que o faz intercalando atriz e personagem, como recurso para fazer conexões entre sua vida e a da moradora de rua que inspira o solo. O desejo de "divorciar-se das formas dramáticas canônicas" está expresso no programa do espetáculo Há um Crocodilo Dentro de Mim, que se apoia sobretudo na figura do ator narrador e numa dramaturgia que tenta mobilizar pulsões com narrativas oníricas que remetem à fera que ainda habita todo homem. Noutro momento, a morte é tema de uma performance da atriz feita diretamente para o público com objetos derrubados do alto de uma geladeira. Juntas, essas peças apontam para uma transição na cena. Problemática, mas preferível à estagnação.
Beth Néspoli
24 de março de 2010
O Festival de Curitiba chega à 19ª edição com 374 espetáculos na mostra paralela, o Fringe, e outros 27 na principal. Mesmo com cancelamentos, são quase 400 montagens na programação de 12 dias que termina no domingo. Evidentemente é possível acompanhar uma parte bem reduzida do Fringe e mesmo da mostra principal, uma vez que, nesta última, todas as peças ocupam o mesmo horário, 21h, ou seja, só se pode ver um a cada noite.
Ainda assim pode-se detectar a presença de uma tendência muito presente nos palcos - que não é exatamente nova, mas renovada - do rompimento do drama ficcional fechado. Como drama, em linhas gerais, entende-se aquela criação que se dá a partir de conflitos interpessoais, expressos em diálogos, por meio de personagens colocados em primeiro plano na cena, com os intérpretes servindo de instrumentos a lhes dar vida, contar suas histórias. Diante da capacidade do cinema e de outras artes de criar um mundo fictício, o teatro busca sua especificidade: tirar proveito de ser um encontro, ao vivo, em tempo real, entre espectadores e atores.
Há experiências mais ou menos bem-sucedidas, abre-se espaço para modismos sem consistência, para a provocação formal descolada do humano, sem potência para atrair a atenção concentrada de público para além dos pares. Nessa linha de busca, a montagem curitibana Vida, da Cia. Brasileira de Teatro dirigida por Marcio Abreu, está entre as mais mobilizadoras entre as conferidas na programação. A dramaturgia foi criada em sala de ensaio a partir da poesia de Paulo Leminski, matéria-prima à qual juntaram-se outras fontes, de Haroldo de Campos a Beckett, de Joyce a John Fante. Sem amalgamá-las numa fábula, os atores se apropriam desse material poético de alta sofisticação e a ele mesclam indagações aparentemente prosaicas sobre o estar no mundo. "Quem brilha? O que brilha?" Pergunta o ator Rodrigo Ferrarini na primeira cena. Imediatamente estimulam o espectador a fazer associações que giram em torno de fama, destaque, "lugar ao sol". Expectativa quebrada pelo texto que remete ao vagalume ou a um sapato de verniz. Essa passagem, do poético ao concreto, perpassa todo o espetáculo cujo mote é a reunião de quatro integrantes de uma banda para um ensaio musical. Os atores se chamam pelo nome, atuam como performers, mas não escondem a elaboração artística num falso tom de improviso.
Em Dona Otília e Outras Histórias, o diretor Gilberto Gawrownki busca quebrar a forma dramática dos textos escolhidos, peças curtas da gaúcha Vera Karam, com performances intercaladas entre as cenas, que tanto podem girar em torno do processo de criação do espetáculo, como em confissões dos atores. A fragilidade dessas intervenções faz sobressair o "dramático" sobretudo pela qualidade de atuação da atriz Guida Viana. Esse mesmo desejo, de romper a cena ficcional fechada, está no monólogo Olympia, da mineira Angela Moura que o faz intercalando atriz e personagem, como recurso para fazer conexões entre sua vida e a da moradora de rua que inspira o solo. O desejo de "divorciar-se das formas dramáticas canônicas" está expresso no programa do espetáculo Há um Crocodilo Dentro de Mim, que se apoia sobretudo na figura do ator narrador e numa dramaturgia que tenta mobilizar pulsões com narrativas oníricas que remetem à fera que ainda habita todo homem. Noutro momento, a morte é tema de uma performance da atriz feita diretamente para o público com objetos derrubados do alto de uma geladeira. Juntas, essas peças apontam para uma transição na cena. Problemática, mas preferível à estagnação.
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